Microbioma Cutâneo: Impactos no Envelhecimento, Saúde Mental e Saúde

Descubra como o microbioma cutâneo influencia o envelhecimento, a saúde mental e a saúde geral. Este artigo revisa pesquisas recentes sobre o tema, destacando suas funções multifacetadas até 2024-2025.

Dra Daniela Leal - Dermatologista - RQE: 66973

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Resumo em áudio:

Pontos-Chave

  • Definição e Importância: O microbioma cutâneo é um ecossistema complexo de microrganismos (bactérias, fungos, vírus, ácaros) essencial para a homeostase da pele, proteção contra patógenos, modulação imune e integridade da barreira cutânea. Sua composição varia significativamente com a localização corporal, idade e fatores ambientais.

  • Envelhecimento: O envelhecimento altera a composição e diversidade do microbioma da pele (e.g., diminuição de Actinobacteria, aumento de Proteobacteria, mudanças em Cutibacterium e Corynebacterium). Estudos recentes (2024) associam a diversidade microbiana a marcadores de envelhecimento, como rugas ("pés de galinha") e perda de água transepidérmica (TEWL), sugerindo um papel causal e potencial para intervenções (probióticos, prebióticos) no gerenciamento do envelhecimento cutâneo.

  • Saúde da Pele e Doenças: A disbiose, desequilíbrio do microbioma, está fortemente ligada a doenças dermatológicas inflamatórias, como dermatite atópica (excesso de Staphylococcus aureus), acne vulgar (cepas específicas de Cutibacterium acnes), psoríase, rosácea e, potencialmente, alopecia areata e hidradenite supurativa. Microrganismos comensais, como Staphylococcus epidermidis, podem ter papéis protetores.

  • Estética: O microbioma influencia a estética da pele, regulando hidratação, inflamação e textura. Cosméticos baseados no microbioma emergem como estratégias promissoras para melhorar a aparência e saúde da pele.

  • Câncer de Pele: Pesquisas indicam alterações no microbioma em pacientes com melanoma e carcinoma de células não melanocíticas (CCNM), com potenciais biomarcadores e mecanismos protetores. A causalidade ainda requer investigação aprofundada.

  • Saúde Mental (Eixo Pele-Cérebro): Evidências crescentes suportam o "eixo pele-cérebro", onde alterações no microbioma cutâneo e a inflamação associada a doenças de pele podem impactar a saúde mental via vias neuroinflamatórias e neuroendócrinas.

  • Saúde Geral: O microbioma da pele interage com o sistema imunológico sistêmico e produz metabólitos bioativos que podem influenciar a saúde geral, potencialmente contribuindo para doenças não transmissíveis através da inflamação crônica. Fatores ambientais modernos afetam essa interação.

  • Tecnologia e Futuro: O futuro aponta para terapias personalizadas e abordagens holísticas que consideram as interconexões microbioma-hospedeiro.

Introdução

A pele humana é o habitat de trilhões de microrganismos. Coletivamente, esses microrganismos e seu material genético constituem o microbioma cutâneo, enquanto a coleção de microrganismos vivos é referida como microbiota cutânea.

Este ecossistema é fundamental para a saúde da pele, desempenhando funções na proteção contra patógenos invasores, na educação e modulação do sistema imunológico local e sistêmico, e na manutenção da integridade da função de barreira da pele.

A composição do microbioma cutâneo é altamente individualizada, variando entre áreas corporais, com a idade, e sofrendo influência de fatores intrínsecos (genética, pH da pele) e extrínsecos. Tecnologias avançadas, como o sequenciamento de alto rendimento do gene 16S rRNA e, mais recentemente, a metagenômica, têm revolucionado nossa capacidade de caracterizar não apenas quem está presente, mas como esses microrganismos atuam.

O equilíbrio delicado deste microbioma, conhecido como eubiose, é essencial para a saúde, e o desequilíbrio, ou disbiose, está cada vez mais implicado na patogênese ou exacerbação de uma variedade de condições dermatológicas e, como pesquisas recentes sugerem, pode ter implicações que se estendem ao processo de envelhecimento, à saúde mental e ao bem-estar geral do indivíduo.

Composição e Dinâmica do Microbioma Cutâneo

A pele oferece microambientes diversos que suportam comunidades microbianas distintas. Áreas sebáceas, como face, peito e costas, são dominadas por espécies lipofílicas, como Cutibacterium (anteriormente Propionibacterium), principalmente Cutibacterium acnes, e fungos do gênero Malassezia. Zonas úmidas, como axilas e virilhas, abrigam preferencialmente Staphylococcus e Corynebacterium. Áreas secas, como o antebraço, apresentam uma mistura mais diversa, porém com menor densidade microbiana.

Esses microrganismos interagem continuamente com as células da pele e o sistema imunológico do hospedeiro. Por exemplo, Staphylococcus epidermidis, um comensal comum, pode produzir peptídeos antimicrobianos (AMPs) que inibem o crescimento de patógenos, como Staphylococcus aureus, além de modular respostas inflamatórias através da interação com receptores Toll-like (TLRs) nas células da pele. A manutenção da homeostase depende dessas interações.

Microbioma Cutâneo e Envelhecimento

O processo de envelhecimento cutâneo está associado a alterações fisiológicas, como a diminuição da produção de sebo, o aumento do pH e o comprometimento da função de barreira, que, inevitavelmente, alteram a composição do microbioma cutâneo.

Pesquisas recentes confirmam mudanças significativas relacionadas à idade:

  • Alterações na Composição: Estudos, como o de Shibagaki et al. (2017) e revisões mais recentes (2024), indicam uma diminuição relativa do filo Actinobacteria (que inclui Cutibacterium) e um aumento de Proteobacteria e Firmicutes em indivíduos idosos, com variações dependendo do sítio corporal. Howard et al. (2022) também notaram uma diminuição de Cutibacterium e aumento de Corynebacterium com a idade.

  • Impacto na Função: A redução de Cutibacterium, que contribui para a manutenção de um pH ácido e produz bacteriocinas, pode afetar a proteção contra patógenos. O aumento do pH cutâneo em idosos favorece o crescimento de microrganismos como Staphylococcus aureus.

  • Ligação com Marcadores de Envelhecimento: Um estudo de 2024 (UC San Diego/L'Oréal) com mais de 1.000 mulheres encontrou uma correlação direta entre a diversidade do microbioma cutâneo e a presença de rugas do tipo "pés de galinha". Além disso, certas taxas microbianas foram associadas às rugas, independentemente da idade cronológica, sugerindo um papel causal. O mesmo estudo observou uma associação negativa entre a diversidade microbiana e a perda de água transepidérmica (TEWL), indicando que quanto mais diverso for o microbioma, melhor será a qualidade da barreira cutânea.

  • Mecanismos: Microrganismos específicos produzem compostos benéficos, como Cutibacterium acnes, que produz cutimicina (anti-inflamatória), e Staphylococcus epidermidis, que produz 6-hidroxiaminopurina (6-HAP), com potencial antitumoral e fotoprotetor. A diminuição desses comensais com a idade pode contribuir para o fenótipo de pele envelhecida.

  • Intervenções: Ensaios clínicos demonstraram que probióticos tópicos ou orais (e.g., Lactobacillus plantarum) podem melhorar a hidratação, a elasticidade cutânea e reduzir rugas. Prebióticos (e.g., lactulose) também mostraram benefícios na redução da profundidade das rugas.

Gráfico comparativo mostrando a abundância relativa dos principais filos bacterianos (e.g., Actinobacteria, Proteobacteria, Firmicutes, Bacteroidetes) na pele de indivíduos jovens versus idosos em diferentes sítios (e.g., bochecha, antebraço)

Microbioma Cutâneo e Saúde da Pele: Doenças Dermatológicas

A disbiose do microbioma cutâneo é um fator-chave em muitas doenças inflamatórias da pele:

  • Dermatite Atópica (DA): Caracterizada por uma redução na diversidade microbiana e uma supercolonização por Staphylococcus aureus. Este exacerba a inflamação, danifica a barreira cutânea e pode desencadear respostas imunes Th2. Cepas comensais de Staphylococcus epidermidis podem competir com Staphylococcus aureus e modular a inflamação. Terapias, como probióticos (*Lactobacillus johnsonii*) e transplante de microbiota fecal (TMF), estão sendo estudadas.

  • Acne Vulgar: Embora Cutibacterium acnes seja um comensal, certas cepas (filotipos) estão mais associadas à inflamação acneica, enquanto outras podem ser protetoras.

  • Psoríase: Pacientes com psoríase exibem um perfil microbiano distinto nas lesões, em comparação com a pele não afetada e controles saudáveis, com alterações nas proporções de Actinobacteria, Firmicutes e Proteobacteria. O papel exato na patogênese ainda está sendo explorado.

  • Rosácea: Frequentemente associada a uma maior densidade de ácaros Demodex e alterações bacterianas, que podem desencadear respostas inflamatórias.

  • Outras Condições: Evidências emergentes sugerem o envolvimento do microbioma em condições como alopecia areata, hidradenite supurativa e cicatrização de feridas.

Terapias emergentes buscam restaurar a eubiose, incluindo o uso de bacteriófagos específicos, probióticos tópicos e orais, e prebióticos.

Ilustração da disbiose na dermatite atópica, mostrando baixa diversidade, alta abundância de S. aureus e barreira cutânea comprometida (Ad) em comparação com a pele saudável (Ctrl).

Microbioma Cutâneo e Estética

A aparência saudável da pele está diretamente ligada ao equilíbrio do microbioma, que atua na manutenção da hidratação, função de barreira, inflamação e sensibilização cutânea.

Comensais, como Staphylococcus epidermidis, podem fermentar o glicerol do sebo, produzindo glicerina, um umectante natural, melhorando a hidratação da pele. Já a disbiose pode levar à inflamação subclínica e ao aumento da sensibilidade da pele.

Cosméticos Baseados no Microbioma: A indústria cosmética está investindo em produtos "microbiome-friendly" ou que modulam ativamente o microbioma:

  • Prebióticos: Inulina e oligossacarídeos que alimentam seletivamente bactérias benéficas.

  • Probióticos: Microrganismos vivos (uso em cosméticos é regulamentado e complexo) ou, mais comumente, lisados/fermentados (inativados). Estudos mostraram que lisados de Lactobacillus e Bifidobacterium podem melhorar a barreira cutânea, reduzir a sensibilidade e melhorar a elasticidade.

  • Pós-bióticos: Metabólitos ou componentes celulares de microrganismos benéficos (e.g., ácidos graxos de cadeia curta, peptídeos, ácido hialurônico microbiano) possuem efeitos antioxidantes, anti-inflamatórios e de estímulo de colágeno.

  • Biossurfactantes: Compostos derivados de microrganismos com potencial em formulações cosméticas, como explorado por Adu et al. (2020).

O efeito de melhoria da pele por probióticos e seu mecanismo relacionado. Os efeitos de melhoria da pele dos probióticos incluem: antienvelhecimento (proteção contra degradação de colágeno), clareamento (redução de melanina), antirrugas (antioxidante e inibição de MMP-1), hidratação (melhora da barreira cutânea e redução de TEWL), remoção de odor corporal e antienvelhecimento cronológico (prolongamento do ciclo celular)

Microbioma Cutâneo e Câncer de Pele

Estudos identificaram diferenças nos perfis microbianos entre pele saudável, lesões pré-cancerosas (queratoses actínicas) e cânceres de pele (carcinoma basocelular (CBC), carcinoma espinocelular (CEC), melanoma). Gêneros como Staphylococcus e Corynebacterium apresentam quantidades alteradas. A presença de Fusobacterium foi associada a piores desfechos em CEC. Por outro lado, Staphylococcus epidermidis produz 6-hidroxiaminopurina (6-HAP), uma molécula que demonstrou inibir seletivamente o crescimento de células tumorais em modelos pré-clínicos, sugerindo um papel protetor.

Eixo Intestino-Pele-Cérebro: Implicações para Saúde Mental e Geral

Existe uma comunicação bidirecional entre o intestino, a pele e o cérebro. Pesquisas recentes indicam que metabólitos, como ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), produzidos pela pele, podem influenciar funções cognitivas, como a atenção. Além disso, o microbioma intestinal produz neurotransmissores, como dopamina, serotonina e ácido gama-aminobutírico (GABA), que modulam a inflamação cutânea e o humor. Por exemplo, em psoríase, níveis alterados de GABA estão associados a prurido e inflamação, enquanto a serotonina pode inibir respostas inflamatórias.

Na vigência da disbiose, há aumento da permeabilidade intestinal ("leaky gut"), que leva à translocação de componentes bacterianos (como lipopolissacarídeos (LPS)) e metabólitos para a corrente sanguínea. Isso pode desencadear inflamação sistêmica de baixo grau que se manifesta também na pele, exacerbando condições como acne, rosácea, psoríase e dermatite atópica.

O intestino é crucial para a maturação do sistema imunológico e produz metabólitos (SCFAs) com efeitos anti-inflamatórios sistêmicos. Intervenções dietéticas e probióticos orais que modulam o microbioma intestinal têm mostrado benefícios cutâneos.

  • Eixo Pele-Cérebro:

    • Inflamação: Mediadores inflamatórios liberados na pele podem atingir a circulação e, potencialmente, atravessar a barreira hematoencefálica, contribuindo para a neuroinflamação.

    • Vias Neuroendócrinas: A pele possui seu próprio sistema neuroendócrino e pode produzir neurotransmissores e hormônios em resposta a estímulos, incluindo sinais microbianos. O estresse psicológico também afeta a pele (e seu microbioma) através do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA).

Alguns estudos mostraram que probióticos orais que melhoraram a acne também levaram a melhorias em escores de ansiedade e depressão. Contudo, modular o microbioma intestinal e cutâneo como estratégia terapêutica adjuvante na neurologia ainda requer mais estudos.

  • Saúde Geral: O microbioma cutâneo "treina" o sistema imunológico local e pode ter efeitos sistêmicos, pois metabólitos microbianos podem entrar na circulação e influenciar a fisiologia de outros órgãos. A inflamação crônica de baixo grau causada pela disbiose é um fator de risco para doenças não transmissíveis, como doenças cardiovasculares e diabetes. Além disso, fatores ambientais, como poluição e estilo de vida ocidental, podem impactar negativamente a diversidade microbiana da pele, com possíveis consequências para a saúde sistêmica.

Influências inflamatórias e microbianas entre intestino e pele em estado saudável (esquerda) e disbiótico (direita). As barreiras intestinal e epidérmica estão conectadas pela circulação sistêmica (sangue e linfa). disbiose intestinal e cutânea está ligada por desequilíbrio imune (exemplo: predominância Th2), com interação bidirecional.

Tecnologias Avançadas e Implicações Terapêuticas

O microbioma da pele influencia a saúde geral ao treinar o sistema imunológico e produzir compostos bioativos, como hormônios, citocinas e ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), que entram na corrente sanguínea e afetam a fisiologia sistêmica. Em "O microbioma da pele: impacto de ambientes modernos na ecologia cutânea", destaca-se que esses micróbios podem influenciar doenças não transmissíveis, como as cardiovasculares e o diabetes, via inflamação crônica. Fatores ambientais, como poluição e estilo de vida ocidental, alteram sua biodiversidade, sugerindo que intervenções no microbioma podem ter benefícios amplos, ainda em exploração.

Direções Futuras e Conclusão

O microbioma da pele desempenha papéis multifacetados, conectando envelhecimento, saúde cutânea, estética, câncer, saúde mental e bem-estar geral. Pesquisas futuras devem priorizar estudos longitudinais para esclarecer causalidades, especialmente no câncer de pele, e desenvolver terapias personalizadas baseadas no microbioma.

A integração de abordagens holísticas, considerando o eixo intestino-pele-cérebro e os efeitos sistêmicos, será essencial para avançar no cuidado e na prevenção de doenças.

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